OS BONS FRUTOS DA GUERRA

 

As últimas decisões de Putin, além de acelerarem a escalada da guerra, trouxeram a hipótese de um deslocamento massivo de pessoas, na sua maioria jovens na idade militar. O medo de morrer não é tão diferente do medo de matar. Espera-se, a partir desta semana, uma verdadeira diáspora no sentido do nordeste para o sudeste europeu. 

Há uma forte repressão dentro da Rússia com o objetivo de impedir a saída. Os países vizinhos, a seu tempo, já negam vistos de turismo temendo, naturalmente, que estadias curtas transformem-se em endereços fixos. Uma desvantagem, a meu ver, para sociedades tão envelhecidas. Países condenados a uma renovação populacional insuficiente. 
 
Por que não receber essa juventude? Tenho certeza de que a Alemanha rejuvenescerá muito com semelhante processo. Uma oportunidade que a nação de Olaf Scholz não perderá. 

Além de terem as suas pirâmides etárias ajustadas, muitos países do sul e do sudeste europeu contribuiriam com este ponto positivo caso recebessem massivamente os jovens desertores russos: a frustração, mesmo que em parte, dos planos de Putin (o efeito mais imediato e prático dessa grande acolhida seria, então, um golpe no contingente russo na Ucrânia). Tudo indica, no entanto, que a guerra se prolongará e os países europeus terão que receber russos de todas as idades na situação de refugiados beirando a indigência. Enfim, o contato entre diferentes culturas, uma vez mais, será inevitável. Processo em que, fora de dúvida, as contribuições de um povo estrangeiro são amplamente humanizadoras para a sociedade de destino. 

Tenho comigo que a população europeia humanizou-se muito mais na pré-pandemia, ao se esbarrar com as levas de sírios nas ruas, do que ao assistir ao preenchimento das valas comuns, pela TV, durante o isolamento social. O nosso tabuleiro de WAR tornou-se um pouco mais inverossímil sem um viés social aprofundado. 

Entre historiadores, corre a ideia de que há vantagens nos movimentos populacionais causados por conflitos. Muitas trocas e invenções realizam-se por causa das guerras. Entretanto, o tal do “a longo prazo” não pode ser esquecido. Sempre se deve considerar, nesse tipo de raciocínio, o tempo como um item relativizador do custo e do benefício. Uma lente que apaga o horror da vida privada e realça o heroísmo, a providência, o “apesar de”. As guerras, enfim, podem originar bons frutos para a humanidade, mas só depois de terem irrigado o solo com litros e mais litros de sangue. 

Em 1915, pouco importaria se um soldado soubesse que o gás mostarda, anos mais tarde, abriria uma importante frente no combate ao câncer: a quimioterapia. Sentiria o mesmo terror antes de sair da trincheira. A possibilidade de faltar máscaras no front não deixaria de ser um pesadelo recorrente.

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por André Ferrer, 23/09/2022

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